[14] Mães atípicas em Sussuarana
Em Sussuarana, mães atípicas buscam mais inclusão para filhos autistas
Através de atividades em casa e trabalhando em parceria com as escolas, elas buscam melhores condições de desenvolvimento para os filhos portadores de Transtorno Espectro Autista (TEA)
Encontrar escolas especializadas para os filhos autistas, buscar uma rede de apoio e até fazer cursos, principalmente na área pedagógica, são algumas das ações que vieram com a realização do sonho da maternidade para mães atípicas de Sussuarana, bairro periférico da capital baiana.
O termo mãe atípica tem sido utilizado para falar das mães de pessoas com deficiência ou doenças raras. São mulheres, geralmente com rotinas sobrecarregadas, que enfrentam desafios na busca por direitos e políticas públicas para o desenvolvimento dos filhos.
A trancista Mércia Sacramento, 30, além de mãe atípica, é mãe solo de Ítalo Sacramento, 8, diagnosticado com autismo por um neuropediatra, aos dois anos de idade, após um alerta da escola.
“Foi difícil no início, mas consegui construir um vínculo forte com meu filho. Busquei informações para saber as melhores formas de lidar com a situação dele. Temos visto uma divulgação maior sobre o TEA, por conta das redes sociais. Mas a acessibilidade para o portador de TEA e sua família ainda é muito pouca”, diz.
TEA é a sigla para Transtorno do Espectro do Autista, que é caracterizado por problemas na comunicação e interação social e pela presença de interesses ou comportamentos restritivos e repetitivos, como define o Manual de Orientação do Transtorno do Espectro do Autismo, elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Os sinais de alerta para o transtorno do desenvolvimento neurológico das crianças podem ser percebidos nos primeiros meses de vida. O diagnóstico pode ser realizado por volta dos 2 a 3 anos de idade, segundo o Ministério da Saúde.
Sempre atenta ao desenvolvimento dos filhos, a pedagoga Jaquilene Moreira, 26, mãe de Davi, 4, e Apolo, 1, suspeitou de algo diferente no filho mais velho ao observar alguns comportamentos repetitivos dele.
“Ele balançava muito as mãos, corria muito de um lado para o outro. Com os sinais que ele dava, comecei a pesquisar sobre o autismo, e vi que poderia ser o quadro dele”, conta.
O fato da criança demorar para começar a falar também chamou a atenção de Jaquilene e sua família.
“Toda mãe tem o sonho de escutar seu filho falar ‘mamãe e papai’. Junto com esse atraso na fala, que me frustrava, ainda descobri que Davi era portador de TEA. Foi um susto grande. A família de início se recusa aceitar, mas, com o passar do tempo, a gente a aceita e aprende a lidar com o autismo”.
Além da dificuldade para entender o diagnóstico, Jaquilene também lida diariamente com o preconceito e a falta de inclusão. “Confesso que me incomoda um pouco os olhares de algumas pessoas que, por falta talvez de instrução ou conhecimento, demonstram falta de empatia diante de uma pessoa que tem uma deficiência", revela.
A estudante de publicidade Danúbia Santos, 36, mãe de Almir Santos, 4, também moradora de Grande Sussuarana, compartilha desse sentimento.
“Para uma mãe, é difícil ver outras crianças agirem de uma forma e seu filho agir totalmente diferente. Meu medo maior é a sociedade, que é extremamente maliciosa e preconceituosa. Ele já é uma criança preta, periférica e ainda autista”, desabafa Danúbia.
Como trancista, Mércia tem contato diariamente com um público feminino. Entre uma conversa e outra, ela sempre descobre outras mães atípicas. O momento que era apenas de cuidados externos também é usado para acolher.
“Não é fácil ser mãe de uma criança autista. Por isso, eu estou disponível para ajudar, conversar e acolher outras mães atípicas como eu. Tudo é muito desafiador. O mercado de trabalho, a escola, a relação com a família. Mas, quando você é o porto-seguro de alguém e essa pessoa depende 100% de você, a gente arruma força de todos os lados para continuar”.
ATENDIMENTO ESPECIALIZADO NAS ESCOLAS
Neste ano, o início da fase escolar foi a grande novidade para Davi e sua família. Sua mãe, a pedagoga Jaquilene Moreira, que também é professora e faz curso em neuropsicopedagogia, motivada pelas necessidades do filho, conta que após muitas pesquisas encontrou uma escola que atendesse as necessidades da aprendizagem de Davi.
A educação apropriada é uma das principais buscas dessas mães. Mércia diz que a vida escolar de Ítalo foi cheia de desafios até encontrar uma escola que trabalhasse de forma inclusiva e entendesse o caso do garoto.
“Achei um acolhimento na escola que ele estuda que se aproximava um pouco das necessidades de uma criança com TEA. Mas é sempre um pouco complicado e desafiador, porque se trata de uma parceria nossa com o profissional, com a escola e com a família, para que a criança se sinta bem no ambiente escolar”.
Para ajudar no desenvolvimento do pequeno Almir, Danúbia também passou a procurar cursos de especialização e, neste ano, precisou transferi-lo de escola, já que a instituição pública de Sussuarana, onde moram, não possuía um atendimento especializado para acompanhá-lo. Além da rotina escolar, ela também desenvolve outras atividades com o filho.
“Em casa, busco estimulá-lo da melhor forma possível, inclusive, uso o hiperfoco dele, que é a tecnologia. Procuro aplicativos que ajudem ele no desenvolvimento da fala e que ajudem a ter uma melhor percepção de mundo; que ele aprenda sobre cores; que o ajude a identificar objetos”.
A especialista em Educação Especial e mestre em Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social Silvia Conceição, 47, ressalta que o estímulo feito às crianças contribuem para o desenvolvimento das suas habilidades tanto nas atividades pedagógicas, na escola, como em casa, na companhia da família.
“É perceptível o desenvolvimento da criança quando seus familiares promovem atividades em casa. As conclusões e percepções desta criança se desenvolvem de forma crescente e contínua”.
E ressalta que práticas pedagógicas precisam levar em consideração as particularidades das crianças, contribuindo para a inclusão delas no ambiente escolar.
“É muito importante que a criança com TEA participe das aulas, nas salas regulares, com o acompanhamento pedagógico do professor de Educação Especial para que ela possa construir seus aprendizados de forma construtiva e significativa. Precisamos salientar que a criança com autismo precisa de acolhimento, parceria e socialização dela com a escola e a família”.
A lei federal 12.764/12 determina que a atuação do acompanhante especializado é obrigatória quando o autista apresenta dificuldades nas atividades escolares desenvolvidas. Os custos da contratação e manutenção desse profissional devem recair sob a responsabilidade exclusiva da escola, ficando a família absolutamente isenta de qualquer despesa neste sentido.
Reportagem de Brenda Gomes
Fotografia de Gabrielle Guido
Edição de Rosana Silva e Cleber Arruda
*esta reportagem foi publicada excepcionalmente na quinta-feira.
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