Edição Especial: Silêncios no Nordeste de Amaralina
Uma crônica de Bruna Natalia Afonso de Souza
Alguns silêncios no Nordeste de Amaralina são tão incômodos
Aqui na favela é assim: barulho sempre tem. Nunca sei de primeira se é terça ou sábado porque sempre acham um motivo pra comemorar e dá-lhe paredão, arrocha, pagode. Também tem o som dos comerciantes anunciando seus produtos, das conversas, dos bichos, do colégio, do pastor. O Complexo do Nordeste de Amaralina é um lugar sonoramente intenso e ruidoso na maior parte do tempo.
Um silêncio a mais se nota.
É impressionante a intimidade entre os moradores. Também, não tem nem como ser diferente. Da janela da minha sala vejo o quarteirão de baixo todo. Dá pra ver nitidamente pelo menos um cômodo da casa de cada pessoa aqui. Dessa janela vejo a sala do meu amigo Jamex. Vez ou outra ele me manda uma mensagem dizendo “e aí companheira, apareça aí na janela”. Quando saio, ele tá lá acenando, todo feliz. É genuíno.
Bem de frente na mesma altura da minha sala tem a casa de Ruan. Ele viajou para São Paulo pra fazer arte há alguns meses e desde então dá pra sentir bastante sua ausência. Como eu disse antes, é tanto barulho por aqui que um silêncio a mais se nota. Ruan tocava berimbau toda tarde na varanda. Às vezes dava um grito chamando pra andar de skate.
Entretanto, alguns silêncios aqui são tão incômodos... Quando faleceu Maurício, dono da loja de consertos de eletrônicos, fiquei muito sentida e reflexiva. Eu mal o conhecia, comprei um notebook velho lá quando estava estudando pro vestibular. Ele me desejou sorte. Depois disso fui lá poucas vezes, mas foi sempre tão verdadeira a troca que ele me marcou. Sinto que aqui na quebrada nos reconhecemos, na maioria das vezes nos importamos uns com os outros.
Há dois anos a polícia entrou aqui, bem na rua da primeira casa que morei no bairro. Tinha um garoto ali que sempre ficava dando grau na bike. Vez ou outra brincava comigo, me explicava qual era o segredo pra empinar a bicicleta com uma mão só. Era uma criança!
Em uma troca de tiros, ele foi atingido pela polícia. Disseram que ele brincava na varanda de casa no momento. Quando a notícia se espalhou, o bairro em revolta fez protestos, se mobilizou. Nossos gritos não foram ouvidos e a ausência de som se instalou em luto naquele momento. Um silêncio a mais se nota, percebe?
Têm silêncio que é grande demais! Talvez por isso a gente faz tanto barulho por aqui.
Esta crônica faz parte de uma série especial de textos produzidos por estudantes do Bacharelado Interdisciplinar da UFBA que fizeram a disciplina Tópicos Especiais em Cultura em 2022.
Você receberá outras crônicas nas próximas edições da EB. Curtiu? Conta pra gente o que achou. Até a próxima ;)
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