[50] Santo Antônio é celebrado em Pernambués
Em Pernambués, mulheres mantém viva a trezena de Santo Antônio
Homenagem ao santo é feita de forma tradicional e itinerante nas casas durante o mês junino
No final do mês de maio, a babá e manicure, Ana Gomes (54), passa a ser procurada por devotas e admiradoras de Santo Antônio. Há cerca de 17 anos, ela e um grupo de vizinhas - que passou a se chamar Solidariedade, porque se apoiam e se ajudam - começaram a fazer a trezena ao santo de forma itinerante, nas treze noites em diferentes casas e bairros de Salvador. “Nós rezamos onde as pessoas pedirem. Ontem, fizemos em um espaço dentro de uma igreja”.
Moradora do bairro de Pernambués, a manicure conta que conheceu a homenagem ao santo na adolescência, por meio da vizinha, chamada dona Zezé. “Ela rezava no dia 2 de julho, não me recordo o motivo da escolha desta data. Mas, vinha muita gente de todos lugares, amigos dos filhos, era a coisa mais linda do mundo”, recorda.
Com a passagem do tempo, dona Zezé deixou de rezar, assim como as vizinhas que também faziam trezena. E, diante de um problema familiar, a manicure decidiu retomar aquela tradição. “Perguntei à minha tia: ‘o que que a senhora acha de a gente voltar a rezar o Santo Antônio nas casas? A senhora me ajuda? Ela respondeu: ‘eu ajudo, minha filha, vamos embora’. Foi aí que tudo começou”, recorda.
Na época, Ana procurou dona Zezé que lhe emprestou o livro com cânticos e orações, que é o guia usado na trezena de Santo Antônio até os dias atuais.
“Nós já rezamos em óticas de óculos, em loja, na rua, na frente de um bar, porque a proprietária era doida pelo santo.”
No nono dia da trezena, o grupo rezou na Praça da Alegria, na Travessa da Ventosa, em Pernambués, a pedido da auxiliar administrativa Juci Sacramento (43). “Já fazia um forró aqui na rua antes do São João. Daí, surgiu a ideia de rezar o Santo Antônio antes do forró. Há três anos fazemos esta homenagem com Ana sempre à frente. Muitas pessoas vêm e gostam muito ”, conta.
TRADIÇÃO FAMILIAR
Na residência da dona de casa Elenice Santa Rosa (69), em Pernambués, a reza a Santo Antônio ocorre em três dias, como fazia seus familiares, há mais de trinta anos. “Minha mãe rezava nos dias 21, 22, 23 e terminava na festa de São João, aí virava a noite com samba até às 7h da manhã”. Após o falecimento da mãe, Elenice mudou a data, porque o último da reza coincidia com a festa de São João.

Com o passar do tempo, o tríduo também deixou de ser feito por Elenice. Mas, um problema fez com que ela pensasse na tradição familiar.
“Depois de um problema de família, disse a Santo Antônio que se ele atendesse um pedido, voltava a rezar. Eu consegui, aí estou rezando até hoje nos dias 11, 12 e 13.”
Todos os anos amigos, familiares, conhecidos voltam a cada da dona de casa para fazer suas orações. “Vem muita gente, principalmente, porque aqui é um terreiro de candomblé (Ylê Asé Ninfá). As pessoas da casa e tal vem, sempre trazem mais um”.
REZAS E PEDIDOS
Preces pelo bairro e o bem-estar da vizinhança foram alguns dos pedidos feitos a Santo Antônio na trezena da Praça da Alegria.
O fato do santo português ser professor fez com que Ana pedisse a intercessão na educação das filhas. “Peço pouca coisa a Santo Antônio, peço mais paz e tranquilidade. Já pedi muito pela formação das minhas filhas e que conduzisse a questão educacional delas. Hoje tenho duas filhas formadas e trabalhando”, revela.

Elenice acredita que os pedidos feitos podem alcançar muitas pessoas. “Peço saúde e a paz mundial, que isso já está ótimo”.
Na cartilha da trezena contém orações, cânticos em português e latim com pedidos, leituras. “No primeiro dia, rezo um bendito, no segundo eu rezo dois, no terceiro eu rezo três benditos. Continuo a fazer da mesma maneira que minha família. Para mim, o oferecimento é a parte mais emocionante e a despedida também, explicou Elenice.
Já Ana fez algumas modificações para diminuir o tempo da trezena, diante da dificuldade de as pessoas participarem e permanecerem após as 19h30. “A oração é longa e demorada, por isso, aos poucos, adaptei para a nossa realidade. Conseguimos fazer todo o processo, com brincadeira, com cantoria, até o fim”.
A cada dia de término da trezena é feita uma confraternização com a oferta de mingaus, mugunzá, bolos, entre outros alimentos do período junino, como explica a manicure.
“Amo a divisão do alimento, porque é uma parte gostosa. Veja, no primeiro, segundo e quarto dia rezei aqui em casa. Já não tinha mais nada para oferecer. Mas, Cássia chegou e trouxe um pão delicioso. Foi uma farra, dividimos aquele pão, todo mundo comeu e amou. Então é aquela coisa da solidariedade, do amor entre as pessoas.”
CONTINUIDADE
A diminuição das trezenas em Salvador é algo que preocupa quem mantém a tradição. “Ao rezar em casa, pensei que minhas filhas adolescentes teriam vontade de participar, mas o interesse foi pouco. Se fosse no interior, talvez, isso seria até mais atrativo. Em Salvador, pelo menos com o meu grupo, os jovens começam a participar, mas não dão prioridade”, observa Ana Gomes.
A quantidade das trezenas que ocorriam nas casas era sinal da popularidade da festa, como recorda Elenice. “Na época da minha mãe, tinha dias que rezávamos de três a quatro Santo Antônio numa noite só. A gente saia de uma casa e ia para outra casa. Aqui onde moro só escuto falar mesmo do meu. Este é um momento emocionante porque lembramos do passado, das pessoas que já se foram”. A dona de casa acredita que pelo menos dois dos seus filhos manterão viva essa tradição.
Reportagem de Rosana Silva
Fotos de Bruna Rocha
CONTRIBUA COM A ENTRE BECOS
Somos um grupo empenhado em produzir reportagens relevantes a partir da vivências dos bairros populares de Salvador, na Bahia. Atuamos de forma independente e contamos com sua contribuição para cobrir nossas despesas básicas e seguir produzindo.
Se puder, invista em nosso trabalho através da chave pix: entrebecosba@gmail.com
Ou pelo QRCode:
Se não pode ajudar financeiramente, compartilhe as reportagens e troque conosco em nossas redes sociais.