No Uruguai e na Fazenda Grande do Retiro, a prática de capoeira transforma a vida de jovens a idosos
De jovens a idosos, a capoeira motiva alunos nas periferias de Salvador, promovendo inclusão, disciplina e resistência cultural
Na comunidade do Uruguai, em Salvador, a prática da capoeira é instrumento de resistência e transformação social. A Associação de Capoeira Os Bambas do Sol Nascente, criada em 2003, tem sido um refúgio para cerca de 80 crianças e adolescentes. O mestre Teodoro Francisco Azevedo, 48, conhecido como mestre Teodoro, é um dos pilares desse trabalho, que no mês de janeiro completou 22 anos de história.
Teodoro define essa expressão como arte, esporte e também um modo de vida. "A capoeira para mim é o ar que eu respiro. Modificou totalmente a minha vida. Esse trabalho com crianças e adolescentes me revigora a cada dia", contou. Sua jornada na capoeira começou ainda na adolescência, inspirado por mestres locais.
A capoeira, na periferia de Salvador, sofre com o preconceito histórico associado à intolerância religiosa e à falta de apoio institucional. "Muitas pessoas ainda ligam a capoeira ao candomblé e, por isso, evitam o contato. Além disso, quando a comunidade está perigosa, muitos pais têm medo de deixar os filhos participarem", explica o mestre. Diante disso, a associação tem expandido sua atuação e tem promovido oficinas para mulheres, como cozinha comunitária e rodas de conversa.
A falta de um espaço próprio, os desafios financeiros e a necessidade de captar recursos para manter as atividades são entraves constantes. Segundo o mestre, muitos grupos não conseguem acessar editais públicos por falta de documentação formal. "O poder público poderia apoiar mais. Os recursos existem, mas é preciso buscar. Já ministrei cursos sobre captação de recursos, porque muitos grupos têm anos de existência, mas não estão legalizados e, assim, perdem oportunidades", explicou.
Apesar das dificuldades, a associação promove iniciativas como a "Blitz Escolar", em que os mestres acompanham o desempenho acadêmico dos alunos junto às escolas."Se o aluno perde de ano, ele é rebaixado de corda. Isso cria um compromisso e uma disciplina", afirmou Teodoro.
A aluna Maria Fernanda Ribeiro dos Santos, 14, encontrou na capoeira um propósito.
“Gosto das aulas teóricas do mestre, das histórias que conta sobre a trajetória dele, e isso nos ensina a prestar atenção no que acontece no mundo lá fora, porque somos jovens e crianças periféricas".
Fernanda almeja ensinar capoeira e levar a prática para fora do país. "Meu sonho é sair do Brasil para mostrar o que aprendi aqui. Sempre vejo muitos capoeiristas na França e queria ter essa experiência".
Carine Santos, 42, é autônoma e mãe de Kaique, 6, Marcos Vinícius, 8, Marielly, 12 e de Karina, 14, que fazem parte do grupo. Ela destaca o impacto positivo da capoeira na vida dos filhos. “Ajudou meus filhos a terem mais disciplina, respeito e responsabilidade com as atividades, principalmente na escola." Ela também ressalta a importância da presença dos pais no cotidiano dos filhos.
CAPOEIRA NA TERCEIRA IDADE
O professor Thales Cardoso, 42, conhecido como contramestre Thales Touro, do grupo Morada dos Bambas, também desenvolve um trabalho social por meio da capoeira na sede da Guarda Municipal de Salvador, localizada no bairro de San Martin. "Há sete anos me tornei contramestre e iniciei um trabalho com crianças e adolescentes. Mas há dois anos expandimos o projeto para atender idosos".
Com o projeto "Idosos também gingam", Thales atende aproximadamente 80 idosos, com idades entre 60 e 80 anos. "Eles relatam uma melhora na qualidade de vida, problemas como insônia diminuíram, e até os médicos incentivam que continuem praticando. A capoeira não é apenas uma luta, é uma ferramenta de saúde e inclusão", explicou.
Arivalda Santana, 66, moradora da Fazenda Grande do Retiro e integrante do grupo, começou a praticar capoeira há dois anos e hoje comemora a corda amarela. Ela indicou a prática para outras pessoas após perceber os benefícios na vida.
“Quando entrei na capoeira, era uma. Meu joelho doía muito, ainda dói, mas não como antes. Hoje sou outra pessoa, levanto as pernas, me abaixo. Minha qualidade de vida melhorou bastante, não sinto tantas dores como antes, me movimento melhor. Para mim, tem sido um diferencial”.
FALTA INVESTIMENTO E RECONHECIMENTO
Luis Nogueira, 37, conhecido como mestre Lupa, uma das lideranças da União dos Grupos de Capoeira da Bahia (UGCapoeira), destaca a importância de fortalecer a prática e garantir apoio institucional.
"A UGCapoeira surgiu para valorizar a capoeira e seus praticantes. Muitos mestres que fizeram história morreram sem nenhum reconhecimento, muitos na miséria, pois não há apoio do poder público. Lutamos para garantir a capoeira nas escolas, espaços adequados para sua prática e melhores condições para os capoeiristas."
Para valorizar a capoeira e os profissionais que a praticam, a União, formada por 57 grupos de capoeira do estado da Bahia, realizará, no dia 16 de fevereiro, uma roda de capoeira aberta, com a presença de diversos grupos de Salvador e Região Metropolitana, a partir das 9h, na Arena da Capoeira, no bairro do Comércio, em Salvador.
Luis destaca que o apoio institucional da prefeitura e do estado podem fazer a diferença. “Recentemente o governo do estado aprovou a Lei Moa do Katendê (Lei nº 14.341), que é a capoeira nas escolas, é um passo muito importante, pois dá possibilidade dos jovens terem um contato com a capoeira, além de abrir espaço para o profissional receber remuneração para executar sua função. Isso precisa ser ampliado para todos os municípios da Bahia”, concluiu.
Reportagem de Brenda Gomes
Fotografia de Bruna Rocha e Gabrielle Guido
Edição de Rosana Silva
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Parabéns pela matéria! Estou maravilhado com a capoeira para idosos!
O trabalho desenvolvido pelo professor Thales Cardoso é um exemplo que precisa ser expandido e levado para mais comunidades!
Parabéns!!!