Crianças e adolescentes lotam sessões do Cine da Onça em Sussuarana
Iniciativa nasceu do desejo dessas duas moradoras de expandir o acesso à arte para crianças e jovens do bairro
Olhos e ouvidos atentos para mais uma sessão de cinema no bairro de Sussuarana, em Salvador. É o Cine Onça, um projeto comunitário que leva filmes ao público infantil e infantojuvenil, desde maio de 2023. A iniciativa foi idealizada pelas moradoras do bairro, a bacharel em artes e estudante, Dricca Silva, 30, e pela historiadora e mestra em educação, Caroline dos Santos, 33.
As duas moradoras queriam expandir o acesso à arte para crianças e jovens do bairro, oferecendo a eles a chance de experimentarem outras narrativas audiovisuais.
“Tenho uma memória muito afetiva do cinema em minha vida, guardo lembranças da infância. Quando essa vontade de querer que as pessoas de onde eu venho tivessem um outro contato com o cinema, comecei a me mobilizar e sonhar esse projeto”, conta Dricca.
Com o tempo, a ideia amadureceu, e Dricca passou a compartilhar o sonho com Caroline, que também encontrou no projeto mais uma forma de expressão. "Me encontrei no Cine Onça como historiadora, mas também como contadora de histórias. Dirigimos juntos dois documentários, e isso me fez perceber a importância de contar as narrativas sobre e para a comunidade", completa Carol.
O projeto foi dividido em duas edições, uma infantil, realizadas entre os meses de maio a setembro, e outra infantojuvenil, que aconteceram entre setembro a novembro, cada uma com uma abordagem específica para as faixas etárias.
“Pensamos nos filmes que realmente dialogassem com o cotidiano dessas crianças e adolescentes, tocando em temas como a identidade negra, a história indígena e até as relações sociais do nosso dia a dia", explica Caroline.
Para a edição infantil, foram realizadas cinco sessões, sempre com brincadeiras, lanches e um espaço para interação entre as crianças. A última sessão, em setembro, foi ao ar livre, na Rua José Monteiro, no bairro de Sussuarana Velha, onde cerca de 60 pessoas, entre crianças, jovens e adultos, se reuniram para assistir aos filmes e participarem das atividades.
Nessa edição, foi apresentado o filme “Tá Sussu”, da Zami Filmes e Produções, produtora criada por Dricca e Carol, que conta a história da mística onça sussuarana e a relação com o bairro. Segundo Dricca:
“O mais gratificante foi ver a reação das crianças ao se reconhecerem no bairro e nas histórias. Ver como elas enxergavam a si mesmas e seus amigos nas telas foi algo emocionante.”
Para Aysla Beatriz, de apenas 10 anos, o projeto vai além de assistir filmes.
“Foi muito legal, eu aprendi várias coisas e foi uma experiência incrível. A gente brincava, respondia várias perguntas, e ainda ganhava prêmios e comida. Eu amei participar, foi muito divertido”, conta Aysla.
Para manter a iniciativa, a equipe de produção conta com o apoio de dois editais que possibilitam o financiamento e apoio logístico para as sessões, além de garantir uma curadoria especializada voltada ao público infantil e infantojuvenil.
Dricca confessa que, no início, seu maior medo era não conseguir público ou que as crianças e jovens não se interessassem pelas sessões.
"A gente não tem como prever quem vai aparecer e como vão receber a ideia. Mas foi muito bonito ver pessoas de bairros próximos, até mesmo de outros lugares da região metropolitana. É um ambiente de cuidado, de afeto, e acho que foi isso que atraiu as pessoas.”
Ela também destaca que muitas crianças dependem de seus pais para poderem participar, e mesmo com essas limitações, as sessões tiveram um público mínimo de 20 pessoas.
As exibições contaram também com sessões de debate, onde as crianças e adolescentes tiveram a oportunidade de conversar com os diretores e produtores sobre os filmes e refletir sobre temas como pertencimento, comunidade e representatividade.
Breno Silva, também produtor do projeto, destaca a relevância da curadoria da iniciativa que aborda temas afrocentrados, periféricos e reflexões sociais.
"O Cine Onça não é só um dispositivo cultural, é um facilitador de encontros entre gerações e narrativas. Para muitos jovens aqui, é a primeira vez que percebem que o cinema pode ser feito na porta de casa, com histórias que têm tudo a ver com sua realidade. É sobre provocar criatividade e esperança em territórios que muitas vezes são marcados pela violência.”
Breno reforça a importância de mobilizar a juventude por meio da arte.
"Quando falamos de periferia, falamos de vidas marcadas por desafios imensos. Projetos como esse tornam o cinema acessível e inspirador, mostrando que há espaço para a educação, a arte e a cultura, mesmo em contextos adversos."
Michele Carvalho, 33, empreendedora e moradora do bairro Novo Horizonte, na região da Grande Sussuarana, destaca o papel do projeto para a comunidade.
"Falar sobre a potência que o Cine Onça tem sido na nossa comunidade é uma honra. Sabemos que Sussuarana é um celeiro cultural, mas também conhecemos as dificuldades que enfrentamos para trazer essa cultura para cá e mostrar o que produzimos. É um projeto que tem essa intenção de oferecer conhecimento, lazer e histórias contadas por nós e para nós. Acho incrível, meus filhos adoram!", avalia Michele.
O estudante Igor Vinícius, 16, morador da Sussuarana, compartilha com alegria o troféu de um dos maiores espectadores do cine clube. Para ele, a iniciativa é um verdadeiro presente para a comunidade.
"Eu gosto muito porque valoriza nossa cultura, nossos ancestrais e muito mais. Faltam projetos assim em nossa comunidade, são poucos, e ele vem abraçando a comunidade com essa iniciativa. Já participei de muitas sessões, acho que quase todas. Um dos filmes que mais gostei foi Cinzas”, diz.
PRÓXIMAS SESSÕES
O Cine Onça segue como uma iniciativa em crescimento, com a esperança de transformar a relação dos jovens de Sussuarana com a cultura e de expandir ainda mais suas atividades. A próxima edição acontecerá no dia 30 de novembro, às 16h, no Centro de Pastoral Afro Padre Heitor - Cenpah, no Novo Horizonte. Mais informações sobre a iniciativa podem ser conferidas clicando aqui.
Reportagem de Brenda Gomes
Edição de Cleber Arruda e Rosana Silva
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