[37] Soja traz prejuízo em São Tomé de Paripe
Soja espalhada na Estrada do Derba leva mau cheiro e uma série de problemas para região
Moradores de São Tomé de Paripe enfrentam os danos ambientais provocados pela queda dos grãos
Na região da BA-528, conhecida popularmente como Estrada do Derba, em Salvador, um problema tem tirado a tranquilidade de quem reside e transita no local: o derramamento de soja durante o transporte do Porto Cotegipe, onde ocorre o abastecimento, ao longo do percurso até as rodovias federais.
Os grãos acumulam-se nas margens da estrada por onde passam centenas de caminhões diariamente para carregar e descarregar produtos como adubo de terras e minerais.
Moradores de São Tomé do Paripe, como a pescadora e marisqueira Fátima Lima, 65, reclamam do mau cheiro provocado pela soja derramada na região. “É muita soja que fica pelo caminho. Com a chuva, ela vai para dentro do mangue, depois incha e fermenta, deixando um fedor forte”.
“A gente não consegue mais achar maria preta [o marisco] , ostra, caranguejo. O aratu sumiu, e o pouco que ainda resta é o sururu. Na maioria das vezes, a gente já tira de dentro da lama”, diz Fátima.
É possível encontrar soja além do trecho da “Estrada do Criminoso”, principalmente, ao longo da estrada do Derba, em pontos onde há uma maior concentração de buracos, como na região conhecida como “Ponto do Sapateiro”. Moradora há 20 anos, a trabalhadora autônoma Maria Joana, 64, relata a dificuldade de respirar devido ao transtorno provocado por essa poluição.
“Eu estou dentro de casa e sinto o cheiro como se estivesse do meu lado. Quem chega aqui, já vou logo dizendo: ‘É a soja!’ para ninguém achar que nós somos sujos, né? E aí piora quando junta um monte e chove, porque fica escorregadio podendo causar algum acidente.”
No trecho da estrada, próximo ao Quilombo Alto do Tororó, existe um muro levantado pela Marinha do Brasil, que foi identificado como um dos pontos críticos de acúmulo de soja. Próximo ao local, dezenas de caminhões transitam lentamente por conta dos buracos nas rodovias, ao mesmo tempo dividem as estradas com outros caminhoneiros que aguardam a sua vez para fazer o carregamento no porto.
O caminhoneiro Alan Caxieta, 32, que descarregava a soja pela primeira vez no Porto de Cotegipe, explicou que a falta de manutenção nas pistas contribui para o derramamento da carga.
“Infelizmente não tem asfalto. A estrada só tem a capinha, uma camada fina de asfalto, mesmo assim você dá uma volta a pé e vai ver a quantidade de buracos, cada um maior que outro. O caminhão vai tombando, aqui e ali, e vai ficando parte da mercadoria na estrada, mas não é intenção do caminhoneiro ou do produtor”, pontuou.
COTIDIANOS IMPACTADOS
A logística da mercadoria e os danos provocados pelo escoamento da soja no mar próximo às estradas impactam no dia a dia de muitos moradores e trabalhadores locais, como o pescador Dilson Santos, 60, conhecido como Buía. Com a pesca e a mariscagem, ele criou quatro filhos e alimentou a família há décadas. Hoje, conta não conseguir garantir o próprio sustento.
“Aqui na pescaria já foi melhor. Atualmente não daria para criar os quatro filhos, porque mudou tudo. No início, não tinha fábrica. Quando não tinha nada, nós íamos apanhar camarão, pegávamos os peixes tudo, mas hoje é tudo aos poucos. Antes apanhava 5, 10, 15 quilos, e agora não pegamos nada, entendeu?”
Atualmente, Bruno trabalha no Porto de Cotegipe. Há um ano, ele mais 10 moradores reivindicaram emprego, porque a pesca deixou de ser fonte de renda, e conseguiram ser empregados. “Ainda é pouco, não chegamos a 20 funcionários, num ambiente de trabalho com mais de 300 funcionários de outros lugares. Muitas vêm até de Camaçari”, ressaltou.
Bruno ainda ressalta a necessidade de ações voltadas para o ressarcimento dos moradores da região que tinham a pesca como principal fonte de renda e alimentação.
“Se for para prejudicar o meio ambiente, eles devem minimamente empregar a comunidade que sofre com o impacto. Se a gente não tem a formação profissional que eles exigem, estamos aqui abertos a propostas de cursos profissionalizantes, cursos técnicos. Podemos aprender qualquer função e as empresas podem minimizar o impacto das suas ações, contribuindo com a geração de renda em nossa comunidade.”
A reportagem contatou o Terminal Portuário de Cotegipe, responsável pelo escoamento de soja e farelo de soja produzidos em áreas da Bahia, mas não houve resposta até o fechamento desta edição.
Para realizar denúncias relacionadas a manutenção e limpeza das estradas, o Inema (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos) é o órgão a ser acionado por meio do número (71) 3118-4304 para fiscalização e o número 08000711400 para denúncias.
Reportagem de Lucas Barbosa
Fotografia de Bruna Rocha
Edição de Cleber Arruda e Rosana Silva
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