[32] As Caretas de Tubarão
Carnaval das Caretas toma conta das ruas no bairro de Tubarão, no Subúrbio Ferroviário
Em clima de pré-carnaval, moradores preparam suas máscaras coloridas para a tradicional festejo que acontece há décadas
Há mais de 50 anos, os moradores do bairro de Tubarão, no Subúrbio Ferroviário de Salvador, preparam suas máscaras e fantasias para a “Festa das Caretas”, uma manifestação tradicional e popular que percorre as ruas do Subúrbio provocando a alegria de crianças, jovens e idosos. Neste ano, a 9º edição do cortejo acontece no próximo sábado (3/2).
Dona Janete Silva, 69, aposentada, guarda boas lembranças de quando chegou a Tubarão com a sua família, em 1958. Lembranças de uma infância marcada pelas folias e diversões do carnaval.
“A gente fazia aquelas pinturas no corpo, como o pessoal do Olodum e Timbalada. As tias pintavam com carvão, casco da madeira, tiravam a resina e misturavam com as coisas para poder pintar a gente.”
A moradora coleciona 65 carnavais e muitas memórias de quem acompanhou de perto as transformações da folia local. Ela viu a comunidade abrir alas para as batalhas de confetes, saía pelas ruas com sátiras como “De médico e louco, todo mundo tem um pouco”. Ela e a sua turma gostavam de pegar as coisas que tinham em casa, usar chapéu e máscaras. “Aí que começou as caretas no cobrir o rosto, de cada um querer fazer mais interessante, mais assustadora ou mais engraçada”, recorda.
FOLIA SE MANTÉM ENTRE GERAÇÕES
Manter a memória cultural da festa tem sido o trabalho realizado em Tubarão. As oficinas oferecidas pela organização sem fins lucrativos Quilombo Aldeia Tubarão – QUIAL Tubarão (@quialtubarao) têm tido esse objetivo. A organização promove atividades de arte, educação e cultura através de experiências que celebram territórios e identidades culturais da Bahia. Suas principais referências são as culturas negras e indígenas, com uma atuação em rede com moradoras e agentes locais do Subúrbio Ferroviário de Salvador, Recôncavo e Ilhas.
A inquietação de Natureza Acácio, 40, presidente do QUIAL e gestora cultural, mais conhecida como Mãe Natureza, fez com que a tradição tomasse fôlego outra vez. “Eu já não estava vendo quase nenhuma careta na rua na época do carnaval. Chegou até mim a notícia de que agentes de segurança pública estavam tirando as máscaras dos meninos na rua e que tomaram também o refrigerante, eu fiquei muito revoltada.”
Segundo Natureza, o receio da violência fez com que as crianças desistissem de pôr as máscaras. Mas, com o apoio da comunidade, crianças, integrantes do grupo de samba de roda do QUIAL e apenas R$17, foi possível colocar as caretas de volta às ruas. “Foi uma festa linda, que trouxe muitos parceiros, muitos amigos da capoeira e do samba. De lá para cá, a festa só cresce”, comemora Natureza.
Desde 2015, no sábado, que antecede o início do carnaval, o cortejo cultural pré-carnavalesco com música, dança e desfile de caretas e fantasias voltou a circular pelas ruas da comunidade de Tubarão.
“A gente sempre envolve a comunidade. Desde a primeira edição, a gente faz um processo de arrecadação de alimentos e entrega cestas básicas [...] Temos várias formas de conectar a comunidade com a responsabilidade de fazer as caretas. A gente não faz festa, fazemos educação, política, estamos promovendo saúde, segurança pública, tudo isso com cara de festa.”
Neste ano, as oficinas foram ofertadas aos moradores ao longo dos meses de janeiro e fevereiro. Dona Janete também esteve presente e revela o contentamento de compartilhar suas memórias.
“Eu vim participar da oficina só por causa das memórias porque a habilidade artística e criatividade me falta muito”, brinca. “Eu estava querendo aprender porque a gente já fez, mas essas máscaras que eles estão mostrando aí, para mim, é uma coisa nova. A gente nunca saiu com máscara desse tipo com tanta arte, tanta coisa”, comenta a matriarca sobre a oficina ministrada pelos mestres na confecção das tradicionais Caretas de Saubara, Marcos Barbosa, conhecido como Marquinhos ou Café, e Fabrício Mesquita Alves, apelidado de Nuno.
O uso de temáticas no desfile também é novidade. A comunidade passou a trabalhar temas baseados na ancestralidade e na homenagem aos seus mais velhos. Em 2022, o tema foi “O movimento das águas”, uma homenagem às águas e à matriarca dona Sofia. No ano de 2023, com o tema “Tubarão: território Tupinambá”, se fez uma saudação aos que estavam aqui quando se deu a invasão portuguesa, e a dona Aninha, matriarca muito presente no QUIAL.
Para este ano, o tema “Meu Quilombo: um encontro precioso”, representados pelos Quilombos do Rio dos Macacos, e do Alto do Tororó, além de reverenciar a guerreira Zeferina - quilombola referência do Subúrbio - e Zumbi dos Palmares, nome de referência quilombola no Brasil.
CULTIVANDO A MEMÓRIA
Oriunda de Vitória da Conquista (BA), a assistente social Dani de Iracema, 30, mora no Alto das Pombas há 10 anos. Quando surgiu a ideia de preservar a Festa das Caretas, ela logo se prontificou a apoiar.
“Eu sou do interior e não sabia dessa tradição da festa das caretas. Desde que comecei a frequentar a comunidade de Tubarão, sou a primeira da minha família a participar nessa tradição”, relata.
Mãe de Vicente Catarino, 5, Dani revela que curtia o cortejo das Caretas de Tubarão grávida. Por isso, ela deseja que o filho participe e tenha lembranças memoráveis do cortejo.
“Eu fico pensando muito em como construir boas memórias com ele. Eu não nasci aqui, mas ele nasceu na cidade de Salvador. Penso em como ele cresce tendo uma relação com a cidade de memória afetiva. Espero que cresça e fale ‘quando eu era pequeno, eu ia nas festas das Caretas de Tubarão’. Para mim, isso tem um lugar de semente, em algum momento, ele pode ser a pessoa que fale assim, ‘gente, bora fazer uma festa das caretas na comunidade’, como foi aqui”, conclui.
Neste ano, a concentração da 9º Festa das Caretas de Tubarão acontecerá às 15h no gramado em frente a creche Municipal Primeiro Passo Tubarão, com saída às 16h. A Festa dos Caretas promove uma campanha solidária, com arrecadação de cestas básicas para as famílias da comunidade. A contribuição pode ser feita com alimentos não perecíveis ou um Pix de qualquer valor para quilomboaldeiatubarao@gmail.com.
Reportagem: Cristiana Fernandes
Edição: Rosana Silva
Fotografia: Bruna Rocha
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