[28] Moda reciclável
Resíduos têxteis ganham nova vida nas mãos das artesãs
Em Itapuã, artesãs fazem fuxicos com tecidos reciclados e ganham uma renda extra
Com linha e agulha na mão, a artista Verônica Raquel, 38, reaproveita e transforma retalhos de tecidos, que seriam descartados, em novos acessórios e itens decorativos no bairro de Itapuã, em Salvador.
Artesã desde 1995, Verônica aprendeu a fazer fuxicos aos 11 anos. Popular e construído por meio de tecidos cortados em círculos pequenos, arrematado e alinhavado, o tecido ganha a forma de uma trouxinha de pano, servindo como matéria prima para o desenvolvimento de diversos produtos.
“Aprendi a fazer fuxicos com uma anciã bordadeira. Na época, não tinha paciência e as trouxinhas não saiam perfeitas. Então, abandonei a técnica. Em 2020, com a pandemia, desencadeei uma crise de pânico e decidi retornar com o fuxico”, relembra Verônica.
Segundo a pesquisadora Jeane Cardoso, no artigo “Representações verbo-visuais da cidade de Aracaju, em folhetos de cordel”, a prática de fazer o fuxico existe há mais de 150 anos e ganhou popularidade do período colonial. Na época, mulheres escravizadas utilizavam retalhos de tecido de luxo para produzir novas peças e construir sociabilidades.
E com o intuito de restaurar laços sociais, a artesã decidiu convocar mulheres para produzirem fuxicos com ela.
“Convidei minha mãe, que estava com depressão, uma amiga de longa data e minha sobrinha. Começamos a nos encontrar uma vez por semana, para fuxicar, papear, rir e ouvir as histórias uma das outras. Foi massa! As diferentes gerações se encontrando. Considero isso uma grande riqueza”, conta
Pensando nas trocas afetivas do encontro e interessada em rentabilizar o trabalho, Verônica uniu a África com fuxico e deu ao empreendimento o nome de “Afruxiqueria”. O negócio, que gera novos produtos a partir de tecidos reutilizados, está de olho no desperdício desses resíduos.
Segundo a Abit (Associação Brasileira de Indústria Têxtil), no Brasil, a indústria da moda gera 175 mil toneladas de resíduos têxteis por ano.
Um estudo conduzido pela Boston Consulting Group chamado “Pulse of the Fashion Industry”, de 2019, mostra que até 2030 a indústria global de vestuário e calçados terá crescido 81%, chegando a 102 milhões de toneladas de roupas e acessórios. Esse volume exercerá uma pressão sem precedentes sobre os recursos do planeta, diz o levantamento.
“Sem natureza não há vida! Somos responsáveis por garantir o bem viver para nós hoje e pra quem vem depois. Dar um destino sustentável aos retalhos de tecidos que seriam transformados em lixo poluente é utilizarmos de nossa inteligência para o bem”.
As fuxiqueiras de Itapuã recebem tecidos para a confecção dos fuxicos e produzem brincos, colares, pulseiras, roupas de banho e bolsas. “Os tecidos utilizados vem de doações, não queremos ter que comprar tecidos para o projeto já que o objetivo é o reaproveitamento”, conta Verônica.
A artista ressalta que o fuxico permite a criação de diversas peças; até mesmo a produção de brinquedos. “Entre os produtos desenvolvidos pela roda de fuxicaria, a boneca é o xodó. Ela representa a raiz da identidade afro-brasileira”, explica Verônica.
Atenta às iniciativas de sustentabilidade e querendo manter o estilo em dia, a professora universitária Liz Novais, 35, adquiriu alguns acessórios das fuxiqueiras de Itapuã.
“Comprei uma série de brincos desenvolvidos pelas meninas. Eles não são pesados e desconfortáveis. Sempre que uso as peças, lembro das colchas de tecido da minha vó, que também fazia fuxico. Para mim, isso é de grande valor e elegância”, conta
Para a educadora, essas iniciativas sustentáveis constroem laços. “Projetos ligados à sustentabilidade são muito importantes, pois, além de pautarem assuntos relevantes, promovem uma aproximação entre as pessoas que participam das comunidades, ou seja, criam novos laços”.
RODA DE FUXIQUEIRAS
Interessada em desenvolver novas relações, a artesã Juvenia Maria dos Santos, 60, decidiu entrar para a roda de fuxicaria. A moradora do bairro de Itapuã é uma das mais antigas integrantes do grupo. Atualmente, o projeto conta com oito mulheres fixas nas atividades semanais.
“Faço fuxico há 20 anos, aí Verônica me convidou para fundarmos o grupo. Vamos fazer dois anos ou mais de atuação e hoje posso dizer que estamos resgatando as mulheres do lar, ajudando elas a levantar a autoestima”, conta Juvenia.
Outra integrante do grupo é Roseni do Nascimento, 41, mais conhecida como Rose. Para a moradora do Nordeste de Amaralina, Afruxiqueira é uma terapia.
“Conheci a roda através da minha filha e já tenho seis meses frequentando. Pra mim, a roda é uma grande terapia onde podemos ensinar e aprender sobre a vida, aprendi a aceitar o tempo de cada um e a ouvir com mais carinho o outro”.
A roda de fuxico acontece todas às quartas-feiras, das 15h às 18h no bairro de Itapuã. Os encontros são abertos para o público e totalmente gratuitos. Para participar da roda, basta enviar uma mensagem pelo Instagram @roda.de.fuxicaria.
Reportagem e fotografia de Bruna Rocha
Edição de Cleber Arruda e Rosana Silva
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