[22] Moda afrofuturista e baiana
Afrofuturismo inspira artista a criar coleções e vestir cantores baianos
O artista plástico Soujê lança nova coleção num desfile em São Paulo com estética afrofuturista que faz referência às singularidades da Bahia
A criação de coleções inspiradas no afrofuturismo com o objetivo de exaltar a potência de corpos marginalizados tem sido a proposta do artista plástico Gledson Souza, 24. Mais conhecido como Soujê, o morador do Alto de Ondina, em Salvador, tem vestido cantores da cena do pagode baiano e criado coleções que expressam emoções por meio das cores.
Soujê desejava ter roupas próprias, por não se identificar com os estilos e cores que encontrava nas ruas, e passou a criar peças autorais. Para aperfeiçoar suas habilidades, iniciou o curso de artes plásticas, da Faculdade de Belas Artes, na Universidade Federal da Bahia (UFBA).
“Já expressava minhas emoções através das cores e comecei a usar a moda como método experimental. Quando saía, as pessoas perguntavam sobre as minhas roupas, era curioso o impacto delas. Daí, entendi que minha arte era além da tela. Fui explorar e pesquisar o campo da moda, juntei técnicas, narrativas, minhas perspectivas e criei a marca Souje”.
A marca Soujê despertou o interesse de cantores populares da cena do pagode de Salvador, como Edcity. O artista atuou na direção de figurino e produção de moda do cantor e da banda. Em dois anos de trabalho, Soujê fez direção de figurino para teatro e cerca de sete clipes.
Para o álbum Afrofuturista (2023), de Edcity, conta ter trabalhado o conceito de afrofuturismo.
“Como abordo essa estética nas minhas peças, desenvolvi um macacão e o denominei de ‘futurismo ancestral’, uma roupa em tons vermelho e rosa com detalhes fluorescentes. Foi um trabalho que uniu minhas referências, mas também pensei no corpo preto cyborg. Adicionei detalhes para simular fios e a estrutura robotizada”, conta.
A cantora A Dama foi outra artista da cena musical baiana que vestiu as peças do estilista. A roupa é um mix de referências, tendo Exu, orixá da comunicação, como principal elemento. O macacão confeccionado para a cantora traz ainda referências à Bahia e frases marcantes da trajetória dela.
“Eu trago nas minhas roupas uma gama de interpretações e de histórias. Assim, aos poucos, construí a minha marca registrada. No meu trabalho busco trazer o neon, um método muito difícil para harmonizar com outras cores, porque é muito marcante. Com o neon, trago a alta costura, roupas marcantes e mais expressivas”.
E continua: “Porque dentro da escuridão que a sociedade nos coloca e a pressão para se encaixar, a gente consegue se destacar através da nossa ancestralidade, da nossa comunidade, da nossa história, não é só porque o neon chama atenção. O uso desse recurso veio pelo desejo poético, porque mesmo nas dificuldades as pessoas pretas sempre brilham” , diz.
PRIMEIRAS COLEÇÕES
As roupas do artista são únicas, customizadas e moldadas para os diversos corpos. A primeira coleção de Souje foi produzida e lançada em 2020, tendo como conceito a ancestralidade das faces e raízes da população negra. As 50 peças produzidas de moda praia, entre sungas e maiôs, foram confeccionadas e costuradas a mão.
“Antes de lançar a minha primeira coleção, eu só compartilhava nas redes camisetas e algumas peças que desenvolvia para mim. Daí lancei a coleção, com peças moda praia. Nela escrevi um texto sobre a importância do apoio e valorização dos artistas locais. Tive mais de 100 comentários e as peças esgotaram em duas semanas”, revela.
Uma das clientes do artista é a empresária baiana Lorena Souza, 36. Quando o conheceu, ela logo se interessou pelo trabalho.
“Conheci Soujê na praia da Gamboa. Ele usava sunga e camiseta da própria marca e me informou que era o estilista das peças. Passei a segui-lo e acompanhar todo crescimento.” Com uma encomenda em produção, Lorena conta que está ansiosa para usá-la na festa Numanice, com a cantora Ludmilla, que acontecerá em Salvador, no mês de julho.
"Estou ansiosa aguardando um conjunto de casal. Vou para a área Vip da festa. Decidi investir em peças com uma cara de moda autoral e local, para fortalecer os meus irmãos empreendedores”, enfatiza a empresária.
ESTÉTICA BAIANA CONQUISTANDO O BRASIL
O artista plástico já lançou três coleções no mercado. Ele utiliza a estética baiana para estampar as roupas. O trabalho do multiartista contém simbologia, informações, empoderamento e poéticas. As peças do styling farão parte da 52ª edição da Casa de Criadores, plataforma dedicada à moda e arte brasileira. O evento acontecerá de 12 a 16 julho, no Centro Cultural São Paulo, em São Paulo.
"Fiz direção de figurino e montei a coleção que será lançada na Casa de Criadores. Ela tem um frescor, tem cores e, às vezes, é monocromática. Tudo tem um movimento, tem visão de futuro, ancestralidade e o nosso corpo comunica tudo isso, " enfatiza Souje.
Para essa coleção, o artista irá lançar um EP, com quatro músicas, e cada uma delas representará uma coleção que será apresentada no desfile. O conceito das quatro coleções irá dialogar com o street baiano. “A estética baiana tem singularidade de cores e frescor. E retrato isso nesta coleção, tanto na mistura de cores como em algo monocromático. Temos que projetar a nossa estética nos corpos que são marginalizados e colocá-los no lugar de potência”, conclui.
Reportagem de Bruna Rocha
Edição de Cleber Arruda e Rosana Silva
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