[11] Por um turismo acessível
Pesquisador investe em soluções para falta de acessibilidade em Salvador
Com cursos, livros e projetos de audiodescrição, Ednilson Sacramento traz luz para novos meios de enxergar a cidade e discutir seus acessos
Aos 38 anos, o consultor de acessibilidade cultural Ednilson Sacramento começou a perder a visão e a enxergar uma Salvador rica em opções de turismo e pobre no quesito de acessibilidade para pessoas com deficiência (PCD). Hoje, com 60 anos e totalmente cego, o morador da Fazenda Grande do Retiro, bairro na capital baiana, é envolvido e desenvolveu vários projetos para mudar essa realidade turva.
“A Bahia e Salvador tem um território riquíssimo, uma cultura fantástica e é um dos lugares que menos oferece recursos de acessibilidade para os seus visitantes. Primeiro a topografia da cidade limita a nossa circulação. E segundo em relação ao atendimento, nós somos ignorados. Não existe planejamento para nós”, pontua Ednilson.
Ed, como é conhecido, é formado em jornalismo, graduando em produção cultural pela Universidade Federal da Bahia (UFBA); é também ativista pelo direito das pessoas com deficiência, escritor, pesquisador, consultor em audiodescrição, tem um canal no Youtube, o Ednilson Sacramento, e ministra cursos de audiodescrição para redes sociais.
Ele tem dois livros acessíveis publicados no formato audiolivro. Rock Baiano: História de uma cultura subterrânea (2002), narrados por personalidades do rock da Bahia, no formato CD, e o livro Casa de ferreiro espeto de pau (2021), que trata da transmissão de saberes através do uso dos ditados populares.
Já o último livro é o Pauta Eficiente: Como abordar a deficiência na imprensa (2020), um guia para jornalistas e comunicadores sobre como abordar temas relativos às pessoas com deficiência, com a versão impressa e ebook.
“A importância de fazer um livro com acessibilidade é permitir que outras pessoas adquiram o seu material. Penso que o retorno é saber que outros públicos tiveram e terão acesso a suas obras, é saber você está permitindo mais pessoas terem acesso ao conhecimento.”
Pensando no turismo sem a devida acessibilidade, Ed desenvolveu a série Pela Luz dos Olhos Teus, um projeto documental em vídeo que faz um citytour para descrever a riqueza cultural e as belezas da cidade.
Pelo vídeo é possível circular por pontos turísticos como a Praça Castro Alves, a Praça Municipal e o Largo do Pelourinho, por exemplo. Esse episódio piloto está disponível em meio a uma gama de produções em seu canal no Youtube.
“Houve uma boa aceitação do público e me deu muito prazer em ter mostrando um pouco da minha cidade com a audiodescrição, que é um elemento importante da produção do documentário."
“A ideia é fazer outros roteiros, de outros pontos turísticos não só de Salvador como de outras cidades, mas sem apoio é muito difícil”, comenta Ed.
Além disso, ele produziu o podcast Cultura e Acessibilidade, da série Turismo Acessível, com 35 episódios, em que compartilha suas produções, ideias com diferentes convidados, que também trabalham pela inclusão das pessoas com deficiência.
O jornalista compreendeu que a audiodescrição é uma ferramenta importante para potencializar a inclusão da população cega e pessoas com baixa visão na sociedade.
A audiodescrição é uma técnica que transforma imagens em palavras para aumentar a compreensão das pessoas com deficiência visual em espetáculos, eventos, em produtos audiovisuais, entre outros.
“Descobri o recurso [audiodescrição] por curiosidade e comecei a procurar, estudar e buscar congressos que falassem sobre o tema. Depois percebi que a formação era um caminho. As pessoas precisavam saber como fazer aquilo e qual era o efeito disso na vida das pessoas”, conta.
Com a audiodescritora e porto-alegrense Cristina Kenny, ele passou a ministrar o Curso de Audiodescrição Para as Redes Sociais. Iniciado durante a pandemia de Covid-19, o curso formou 25 turmas em dois anos. Ao todo, mais de 300 pessoas foram capacitadas. Além de desenvolver atividades extras por meio de oficinas e debates.
“Esse número é muito significativo. Noto que as pessoas querem aprender, não para serem doutores e doutoras em acessibilidade, mas por cuidado e querer contribuir para comunidade que não enxerga e que tem uma limitação visual. Hoje posso dizer humildemente que sou formador porque sempre que posso a gente está formando turma”.
O curso Audiodescrição Para as Redes Sociais está formando uma nova turma. Os encontros são online, alternando entre atividades e aulas, totalizando 20 horas. As inscrições são feitas por meio do formulário. Serão destinadas 5 vagas afirmativas para pessoas com deficiência, pessoas negras, LGTBQIA+ e indígenas.
MULTIPLICANDO VISÕES
Ainda no ambiente do audiovisual, Ed trabalhou na audiodescrição de documentários como o Toque Feminino: Mulheres Percussionistas de Salvador, projeto de conclusão de curso das jornalistas Cristiana Fernandes e Gabriela Ferreira.
“É um produto baiano feito por pessoas amigas que reflete a produção cultural da Bahia. E ter o recurso acessível foi uma atitude assertiva das produtoras, principalmente por terem identificado que era necessário atender diferentes públicos”, observa Ed.
Cristiana Fernandes, 30, jornalista, bacharel em artes, cinema e audiovisual, é amiga de Ednilson e conta que durante a produção do documentário percebeu a importância de se comunicar com público por meio da janela de libras e da audiodescrição do projeto.
"Pensamos em adotar uma legenda em inglês e espanhol e comecei a me questionar porque estávamos preocupadas com o outro que mora em outro país, o que é bom para o produto ganhar o mundo e novos públicos, mas eu também poderia buscar outros públicos dentro do meu país”, conta.
Após o lançamento, o material ganhou uma versão audiodescritiva e com uma tradução em libras. O documentário já foi exibido três vezes na TVE, rede aberta de Salvador, e até hoje as organizadoras seguem recebendo feedbacks sobre a produção. Fez parte de festivais em Cabo Verde e Espanha. Até hoje as diretoras seguem recebendo feedbacks sobre a produção.
Cristiana está de olhos e ouvidos atentos para novas produções. “Essa é uma pauta que volta e meia me acompanha, a questão da janela de libras e audiodescrição. É algo que quando eu puder interferir, irei fazer. Um compromisso particular que eu tenho”, assegura a também moradora do bairro Castelo Branco.
Reportagem de Bruna Rocha
Fotografia de Gabrielle Guido
Edição de Rosana Silva e Cleber Arruda
*Esta edição conta com descrição das imagens.
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