[10] Novas cores na escada do Candeal
Escadaria do Zap, no Candeal, ganha cores com mosaico feito por moradores e grupo de artesãs
Com o grupo de mosaico Nossa Senhora da Conceição Valéria-Palestina, moradores fazem vaquinha e usam a técnica do mosaico nas escadarias
Desde que aprendeu a técnica do mosaico, a artesã Mel Cerqueira, 61, tinha o desejo de decorar uma escada com mosaico, como a Escadaria Selarón, no Rio de Janeiro. Ao longo do tempo, ela amadureceu a ideia e, neste ano, decidiu realizar o sonho.
A escadaria do Zap, no bairro Candeal, foi o local escolhido por Mel para receber o projeto. Moradora do bairro de Valéria, a artesã quis embelezar os 49 degraus da escada que atravessa o Candeal. Para a missão, contou com a colaboração dos moradores, amigos e seus familiares, que residem nos cerca de 27 lares no entorno da escadaria.
“As pessoas que moram aqui são nascidas e criadas. Outras chegaram depois, mas são conhecidas há anos. Aqui todo mundo se conhece, por isso somos uma família. A maioria são meus parentes”.
Para dar início ao projeto, a artesã organizou uma vaquinha para arrecadar dinheiro e comprar os materiais. “Foi um recurso da comunidade, das pessoas que moram nesse pedacinho da escadaria. Cada um deu o valor que pôde para contribuir”, explica.
No Candeal, as escadarias costumam ter nomes e a escolha de Zap tem um significado especial, como conta Everson Xavier Barbosa, 41, mais conhecido como Menino Sinho, que é músico, percussionista, rapper e agente multiplicador de cultura e arte.
“O nome Zap quer dizer paz, ao contrário, e é a maneira que encontramos de reconhecer a nossa comunidade, que é acolhedora e nos deu base para caminhar no mundo da música”.
Na residência do músico há um praticável, móvel que se transforma em um palco, sempre que a família se reúne para comemorar, mas também serve para receber a comunidade e os visitantes com música na escadaria.
“A gente baixa o praticável e vira um palco. O corrimão vira um suporte para os instrumentos, para as percussões. A varanda do meu avô vira suporte para teclado, mesa de som. Colocamos as iluminações, fazemos uma ornamentação”, explica.
A intervenção artística na escadaria deixou o músico, que é filho de Mel, contente, pois já era um desejo antigo a revitalização do espaço.
“Além de estar muito bonito, vai facilitar para a conservação e limpeza. O fato das pessoas, da vizinhança, dos familiares contribuírem e participarem faz com que cada um tenha o cuidado pelo lugar. O caminho é através da união e da coletividade”.
A moradora Antonieta Barbosa, 56, foi uma das contribuintes para a realização da obra. Ela preparou lanches para os dias de trabalho. “Colaborei no financeiro e também na merenda, com pizza, suco, água. Foi a primeira vez que Antonieta acompanhou a criação de uma obra em mosaico. “É muito lindo, muita alegria, é vida”, diz.
Já a moradora Terezinha Rodrigues Barbosa, 61, conta que está muito contente com a revitalização do espaço em que nasceu. “Nasci naquela casa. Mãe é uma moradora antiga do Candeal e não tenho palavras [para o projeto]. Hoje, somos destaque, as pessoas chegam aqui para tirar fotos. A gente se sente importante”, enfatiza.
Marinalva Barbosa, 59, reside no Candeal desde o nascimento. “São 59 anos que eu moro aqui. Na verdade, até saí para outro lugar, mas voltei, porque meu cantinho é aqui”. Desde que a obra começou, a moradora comenta a sensação de bem-estar ao admirar o mosaico.
“Quando a gente olha lá de baixo, a gente sente uma felicidade tão grande. Adorei a combinação das cores. Cada degrau vai se modificando, têm cores do Olodum, cores da África, cores do Brasil, a cabeça da gente vai girando e fica tudo lindo”, explica.
Também nascida e criada no Candeal, Marinildes Cerqueira Xavier, 57, conta da alegria de um dos motivos do mosaico homenagear o seu pai. "Está muito lindo, principalmente, o símbolo do Ipiranga, time que meu pai jogou”. Marinildes foi responsável pela realização do almoço nos dias de trabalho. “Eu fiz uma feijoada. Cada um aqui está contribuindo à sua maneira”, conta.
Músico, produtor e educador, Lucas Vinícius Xavier, 27, brinca e conta que está nas escadarias desde a barriga da mãe. “Sou nascido e criado no bairro do Candeal”.
Lucas conta que já sabia da ideia da tia (Mel), mas ficou impactado com as imagens do mosaico. “Eu sabia que ia ficar uma coisa linda. [Minha tia] chegou com as placas e começou a colocar nas escadas. Quando desci para olhar, fiquei deslumbrado com o visual”.
O músico relata a surpresa ao notar a quantidade de pessoas que começaram a visitar a escadaria. “Ontem, teve o show da Timbalada e vieram cerca de cem, duzentas pessoas para tirar foto nessa escada. Eu acho maravilhoso, é um privilégio muito grande”, revela.
A BELEZA DO MOSAICO
Mel faz parte do grupo de mosaico Nossa Senhora da Conceição de Valéria-Palestina, que tem realizado e participado de obras e projetos em mosaicos por diversos espaços da cidade, como no Hospital Municipal de Salvador, em Cajazeiras, a Casa do Carnaval, no Pelourinho, entre outros.
As artesãs revelam que se sentem compensadas por espalhar a arte em mosaico pelos bairros da cidade, como explica Analice Santos, 60, integrante do grupo de mosaico.
“É muito gratificante sair de Valéria e fazer um trabalho aqui no Candeal”. É a primeira vez que Analice faz uma ação com mosaico em uma escadaria, mas já se sente pronta para os próximos desafios.
“A gente fez esse trabalho, mas pode até surgir outro para fazer numa escadaria, em um muro. Vai ser um prazer, porque nosso trabalho está se expandindo cada vez mais”, afirma.
As artesãs atuam no ateliê do Centro de Evangelização Sagrada Família, no bairro de Valéria, sempre no período da tarde.
Já Sônia Sacramento, 62, integrante do grupo de mosaico e moradora de Valéria, também revela o contentamento de realizar uma intervenção artística no bairro.
“É muito gratificante, porque eu nunca tinha vindo aqui, estou gostando muito. Começamos quarta-feira e viemos hoje também. As pessoas tiram foto, isso é muito bom”.
A acolhida calorosa da comunidade também trouxe satisfação para a artesã. “Aqui as pessoas são muito alegres, extrovertidas e gostam de brincar. É almoço, água, suco, um lanche. Eles são bem ativos”, diz.
Já Maria Auxiliadora Pereira, 54, integrante do grupo de mosaico, também se sente realizada pelo trabalho desenvolvido e, sobretudo, por apoiar Mel. “Fiquei feliz de poder ajudar Mel a realizar um sonho. Fiquei contente em poder participar. Parabenizo a todos que fizeram o projeto acontecer”, diz.
Mel conta que o projeto começou no início de setembro, com a compra dos materiais. Entre as etapas iniciais, ela destaca o apoio do seu professor Vanderlei Oliveira na escolha dos desenhos que compõem o mosaico.
"Ele fez os desenhos que têm relação com a África, os indígenas, e tem a ver com a realidade daqui. Além disso, nossos sobrinhos, filhos, são músicos, todos tocam, gostam de festa", explica.
Designer e artista plástico, Vanderlei de Oliveira, 46, atendeu ao pedido da aluna e pensou em desenhos inspirados na cultura do Candeal.
“Nada mais justo do que pensar pequenos elementos dos tecidos africanos transformados em mosaico. As cores são poucas, mas as formas são tão diversas que visualmente você tem a ilusão de infinitas cores que agradam muito o olhar de quem observa”.
“Além disso, é dinâmico como tem que ser uma escadaria de uma comunidade. Nesse vai e vem cotidiano é impossível não ser impactado”, explica.
Para o artista, além do mosaico despertar a sensação de bem-estar, há outros impactos importantes que a técnica pode provocar nos observadores.
“O Candel tem essa história e convívio com a arte. Em sua entrada tem um pequeno mosaico realizado pela Escola Arte e LAVORO, em 2005, e ainda está intacto. E se está intacto é porque influencia as pessoas a preservarem, a cuidarem. Isso porque é algo que elas gostam, dão valor e agrega a sensação que o ambiente é bem cuidado e acolhedor” sorri.
A escadaria do Zap está finalizada e a inauguração acontecerá em 2023, ainda sem data, como explica Mel Cerqueira. “Vamos deixar tudo pronto, mas a inauguração com festa será em Janeiro”, conclui.
Reportagem de Gabrielle Guido e Rosana Silva
Fotografia de Gabrielle Guido
Edição de Cleber Arruda
*Esta edição foi publicada excepcionalmente na quinta-feira.
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