[06] Jovens recebem capacitação no Nordeste de Amaralina
Centro de empreendedorismo capacita cerca de 100 jovens por ano no Nordeste de Amaralina
Moradores contam a história da instituição, desde a fundação do prédio até os dias atuais
A empreendedora Daiane Bispo, 29, é proprietária da “Amo Seduzir", uma loja virtual que vende produtos de sex shop. Em março deste ano, ela procurou a Academia do Ser Empreendedor, no Centro Avançado de Empreendedorismo do Nordeste de Amaralina (Caena), porque queria agregar mais valor e qualidade ao seu negócio.
“Vejo várias pessoas trabalhando no mesmo ramo que eu, mas não tiveram a oportunidade que tive. A precificação, que a gente acha que está fazendo certo, é um assunto complicado. No Caena, eles ensinam muito sobre isso’’, explica.
Lançado em 2021, a Academia do Ser Empreendedor foi o primeiro projeto criado pelo Caena, no bairro do Nordeste de Amaralina, em Salvador, na Bahia. A iniciativa ensina jovens talentos entre 18 e 30 anos a desenvolver habilidades e competências para o mercado de trabalho, além de mostrar o empreendedorismo como opção de carreira.
As aulas gratuitas são realizadas dois dias na semana, durante nove meses, em uma carga horária de 10 horas. Na seleção, uma entrevista é realizada para avaliar os interesses dos candidatos. Os selecionados recebem uma bolsa de R$144,00 durante o curso.
Daiane já se enxergava como empreendedora, especialmente, porque precisava trabalhar e, ao mesmo tempo, cuidar da doença falciforme, diagnosticada aos 7 anos. A jovem teve dificuldade para permanecer nos empregos e estágios por conta da saúde frágil.
A doença falciforme é genética e hereditária. É caracterizada por uma modificação nos glóbulos vermelhos, responsáveis por transportar oxigênio pelo corpo humano. Os glóbulos, que são arredondados, adquirem o aspecto de foice e tornam-se frágeis, promovendo anemia, cansaço, dores constantes no corpo, entre outros sintomas.
As dificuldades serviram como impulso para Daiane começar o próprio negócio.
“Sempre tive esse lado empreendedor. Dava reforço escolar, revendia [produtos] da revista Avon para os meus professores na escola e ganhava dinheiro para poder me virar desde a adolescência’’, frisa.
Em 2021, ela fundou a loja virtual como uma forma de ganhar uma renda e ajudar as pessoas nos cuidados íntimos.
“Por conta de todas as dificuldades para trabalhar, procurei fazer algo para mim. Quero ajudar as pessoas em seus relacionamentos. No Caena, descobri que esse é o meu propósito. Não vou fugir do meu foco que é ajudar pessoas’’, salienta.
No momento, Daiane ainda não consegue viver apenas com a renda das vendas. Em média, ela vende em torno de 30 produtos no mês, mas essa quantidade pode variar de acordo com cada período. Em setembro, por exemplo, as vendas giraram em torno de 16 produtos.
As entregas acontecem nas estações de metrô, para quem reside em outros bairros, ou diretamente na casa do cliente, para os moradores do Nordeste. Daiane faz todas as entregas.
A professora Deborah Cristina, 40, é formada em Administração, com Gestão de RH, e dá aulas na Academia. Ela faz parte da equipe desde 2016, quando ensinava no Caena de Oficina de Currículos e Preparação para Entrevistas.
Deborah explica que na Academia existem módulos de ensino sobre diversos assuntos que não abrangem apenas os alunos que querem empreender, mas também os que querem entrar no mercado de trabalho.
‘’O intraempreendimento é justamente o jovem dentro do mercado de trabalho. Ele aprende no curso a desenvolver competências comportamentais que são os requisitos que o mercado tanto busca, como a inteligência emocional, relacionamento interpessoal, saber trabalhar em equipe, trabalhar questões de liderança. Lidamos com todo esse conteúdo’’, explica.
O recepcionista Edson Santos, 30, morador do Nordeste de Amaralina, atua profissionalmente com o aprendizado que recebeu da instituição. Ele entrou na primeira turma da Academia do Ser Empreendedor, em abril de 2021, no período da pandemia, com aulas semipresenciais duas vezes na semana.
“No primeiro momento pensei que fosse um curso básico, mas foi além do que eu imaginei. Estávamos no meio de uma pandemia, não sabíamos se as aulas aconteceriam ou não, mas arriscamos’’, diz.
No final do curso, que teve duração de 9 meses, os alunos foram direcionados a instituições para a fase de estágio prático. Edson trabalhou em um hotel de Salvador, mas não imaginava que, em um curto período, haveria tantas mudanças.
“Fui fazer estágio no hotel e fui contratado. Era apenas um mês, mas vou completar um ano na empresa. Meu sonho profissional agora é crescer no ramo que trabalho. Vou começar a faculdade de hotelaria e um curso de inglês. Através do Caena recebi uma proposta para ir para fora do país no ano que vem, mas são coisas a serem estudadas ainda’’, contou.
90% do público que busca o Caena é composto por mulheres. Em 2020, uma pesquisa do Sebrae mostrou que o número de mulheres que estão à frente dos seus próprios negócios chegou a 10,1 milhão, o mesmo resultado registrado em 2019, pouco antes da pandemia.
Até o momento o curso ainda não atingiu o número de alunos esperado por turma. O planejamento propõe que 30 alunos frequentem as aulas regularmente. Em 2021, a turma iniciada em abril tinha 31 alunos, mas apenas 18 concluíram o curso, porque os demais desistiram. Já em 2022, a turma de 18 alunos, que iniciou as aulas em fevereiro, segue com 16.
A HISTÓRIA DO CAENA
O Centro Avançado de Empreendedorismo, localizado na rua Nova República, no Nordeste de Amaralina, nasceu da realização do sonho de um Padre de capacitar e inserir jovens e adultos do bairro no mercado de trabalho.
A dona de casa Nelma Andrade, 45, antiga moradora do bairro, contou sobre a fundação da instituição. Acima do prédio do Caena, fica uma rua chamada Igrejinha, onde os moradores foram responsáveis por dar início às construções da rua Nova República, em 1974. Um sacerdote, identificado apenas como Padre Miguel, foi o responsável por fundar a primeira capela da Igrejinha.
“Os mais antigos da comunidade contam que o padre Miguel veio trabalhar no Nordeste. Ele percebeu que os homens que usavam drogas dormiam na mata fechada, próxima ao Parque da Cidade. O padre recolhia o pessoal numa Kombi, acolhia na capela, alimentava e deixava eles trabalharem”, diz.
Em 2012, o prédio do Caena começou a tomar forma sob a direção do frei Rogério Soares, nascido em Brasília e criado no Piauí, que tem como principal característica a associação da fé como empreendedorismo. A ideia do frei de fundar um centro educacional dentro do Nordeste de Amaralina partiu de uma situação inusitada, como conta a moradora e fiel.
“Certa vez, quando dirigia a Paróquia de Nossa Senhora da Luz, uma senhorinha, moradora do bairro, foi até o padre pedir um trabalho para o filho dela, que tinha envolvimento com o tráfico de drogas. E ele disse que iria ver o que conseguia fazer’’.
Na semana seguinte, o frei encontrou novamente a senhora na Paróquia. Quando foi contar que havia conseguido um trabalho, ele foi surpreendido com a notícia do falecimento do jovem. A partir daí, o prédio começou a ser planejado e construído para atender a comunidade.
O centro atua desde 2014. Porém, só passou a funcionar no prédio atual, em 2019, após a inauguração. No total, 1614 alunos já foram formados em diversas áreas, por meio de parcerias voluntárias com o Senac, Júnior Adventure e Agile. Além do curso de empreendedorismo, o Caena também já ofertou cursos de Pão delícia, recrutamento e seleção, oficina de currículo, robótica, entre outros.
Hoje, o Caena sobrevive de doações de voluntários e instituições que queiram ajudar. Atualmente, tem sido feita uma seleção para recrutar novos voluntários que possam trabalhar na captação de novos alunos, na gestão das redes sociais, no apoio a administração, nas áreas que tenham habilidades e possam aplicar no projeto. A prioridade é que os voluntários sejam moradores do Nordeste de Amaralina, mas não há impedimentos para que moradores de outros bairros também possam colaborar.
Para mais informações clique aqui e acesse o site do Caena.
Reportagem de Laís Lopes
Fotografia de Laís Lopes
Edição de Rosana Silva e Cleber Arruda