Afiadas contra preconceitos, mulheres abrem espaços em barbearias periféricas de Salvador
Apesar de enfrentar o machismo na área, as profissionais têm buscado aperfeiçoamento e sonham com a formação de mais mulheres
Cada vez mais, as mulheres têm ocupado profissões dominadas por homens. No ambiente da barbearia não tem sido diferente. Nas periferias de Salvador, aos poucos, o trabalho dessas profissionais têm ganhado espaço.
Maiane Soares, 25, é um exemplo. Moradora do bairro do Cabula, ela sempre teve interesse na área. Praticou os primeiros cortes no irmão e no primo, que eram “cobaias” para o treinamento. Depois, pediu aos barbeiros do seu bairro que a ensinassem, mas não teve sucesso.
“Levava meus equipamentos, pagava as aulas, mas nem sempre me davam espaço. Depois de estudar bastante, me profissionalizar, montei minha barbearia e ofereço um serviço personalizado. Os desafios serviram para que eu pudesse oferecer o meu melhor hoje”, conta.
Mesmo com a profissionalização, os desafios ainda foram sentidos na hora de montar a carteira de clientes.
“Depois que abri minha barbearia, com um espaço climatizado, onde oferecia massagem, um bom preço, um café… o preconceito dominava no local. Os poucos clientes que entravam eram chamados de ‘bichinha’, por terem preferido o serviço de uma mulher barbeira. Já ouvi algo como: se mulher não é boa no volante, imagine cortando cabelo?!”, diz.
A história de Maiane se assemelha com a de Gessica Barbosa, 23. Moradora do bairro do Uruguai, ela também ensaiou os cortes iniciais no cabelo do irmão e no próprio cabelo. Os primeiros clientes eram atendidos na casa da avó, onde desenvolveu as primeiras técnicas.
Mas, quando fez o curso para o aperfeiçoamento da profissão, em 2018, Gessica também encontrou dificuldades no espaço de formação.
“O lugar que mais encontrei preconceito foi dentro do curso, pois as pessoas gostavam do meu trabalho e queriam cortar comigo. Lá trabalhávamos de forma voluntária para treinar. Mas eu via o incômodo do professor e dos colegas com meu destaque. Muitas vezes, ele impedia que as pessoas me procurassem. Era constrangedor, tanto que nem finalizei esse curso”, confessa.
Com atuação na área há 20 anos, Ana Farias, 40, é professora e ensina novos barbeiros. Ela explica que seu público majoritário é masculino. A presença feminina em suas turmas é baixa.
"Numa turma de quatorze alunos, temos apenas duas ou três mulheres. Outras nem tiveram coragem de continuar devido ao machismo. Mas, ainda assim, eu as incentivava”, conta.
A professora explica que a busca do curso por mulheres têm diferentes objetivos. “Aprender [as técnicas no curso] para cortar o cabelo dos filhos, adquirir independência. Muitas, cursaram para trabalhar fora do Brasil. Em São Paulo é comum encontrar mulheres nessa área. No nordeste, acho mais complicado. Aqui, mulher em barbearia é novidade”.
E diz como lida com o preconceito: "Já passei por muita coisa por ser uma mulher à frente de um curso majoritariamente masculino. Quando não dá para fazer o atendimento, eu respeito quem não quiser ser instruído por mim. Porém, muitos clientes admiram e tiveram a oportunidade de conhecer meu trabalho", finaliza.
CORTANDO HOJE, CRESCENDO AMANHÃ
Apesar do preconceito, Maiane tem persistido e trabalhado com muita disposição na barbearia que abriu e deu o nome de Maria Navalha, uma entidade das religiões de matriz africana.
“Sexta, sábado e domingo são os dias mais movimentados. Na segunda-feira, fico ao longo do dia e atendo até cinco clientes. No início do mês, o movimento é mais intenso, mas nas últimas semanas do mês diminui. Mas, todos os dias, faço atendimento de duas a três pessoas”, explica.
Por isso, ela tem cativado clientes fiéis que “batem ponto” na barbearia. George Santos, 30, também morador do Cabula, explica que conhecia a profissional, mas ainda não tinha buscado seus serviços.
“Eis que resolvi cortar. Gostei da forma como ela valorizou os traços do meu cabelo. Maiane me deu dicas para resolver problemas capilares e fui seguindo a risca. Hoje só confio minha cabeça a ela", enfatiza.
Atualmente, dentre os estilos mais procurados, está o degradê navalhado, no qual o cabelo é cheio no topo da cabeça e raspado nas laterais, deixando um efeito sombreado. Nesse corte, a navalha pode ou não ser usada. “É difícil as pessoas buscarem um corte social, usando a máquina um ou dois. A galera quer um estilo mais atual”.
Maiane conta que não interfere na decisão do cliente, ainda que não goste. “Um cliente queria um corte de jogador de futebol. Ele pediu que passasse a [máquina] zero na região lateral da cabeça. Depois usasse a navalha, deixando um volume de cabelo no topo da cabeça. Um corte sem nenhum tipo de degradê ou disfarce. Achei que ficou bizarro, mas ele amou”, sorri.
George Santos conta ainda que frequenta a barbearia há cinco meses e se sente confortável por conta da atenção recebida. “Aqui existe carinho com os clientes. A gente se torna amigo, conversamos e damos risadas”. Já em relação ao cuidado com o cabelo, o cliente explica que busca estilos variados.
“Geralmente, a gente sempre modifica. Ela faz corte militar, um outro dia um corte disfarçado ou navalhado. Ela sempre está inovando”, observa.
Maiane ainda não consegue desenvolver todas as técnicas para o corte de cabelo, por conta da estrutura física da barbearia.
“Clientes pedem corte platinado, alisamento, mas não tenho espaço para colocar um lavatório para atender esse tipo de público. Se uma pessoa pedir um platinado, luzes, não faço. Até consigo entregar um degradê - low fade, um high fade, um mid fade - com pigmentação para o cliente lavar em casa”.
Gessica, atualmente, realiza atendimento em domicílio apenas para o público feminino.
"No salão, as mulheres julgam se tirarmos dois dedos de cabelo. Na barbearia, os homens implicam quando optamos por raspar a cabeça. Sou muito feliz pelas trocas que tive com meu público. O trabalho nasceu da necessidade, mas foi além disso”.
Agnes Aguirre, 20, estudante de cinema, conta que procurou Gessica e conseguiu encontrar o corte ideal para o cabelo. “Foi ótimo, porque conversamos bastante. Nós construímos o corte juntas. Apresentei minha ideia e ela aceitou. No fim, ainda fui convencida a fazer dois riscos no cabelo”. Agnes aprovou o trabalho. “Já indiquei o serviço dela para minhas amigas e também compartilhei nas minhas redes sociais”.
Além da atuação na barbearia, Maiane trabalha como pizzaiola. Ela não consegue se manter financeiramente com a renda adquirida na Maria Navalha. Contudo, agradece o apoio da esposa, a cabeleireira Caroline Lopes, 25. Ainda que a esposa seja a principal incentivadora, a barbeira acredita que existe preconceito por parte da clientela.
“Existem muitos homens que não entram no espaço pois sabem que somos casadas; por isso, pensam que não faço um serviço de qualidade. Se fosse uma mulher padrão e heterossexual, eles até se permitiriam conhecer o serviço” , desabafa.
Além disso, o espaço ocupado por mulheres na área é pequeno.
"Na minha opinião, as mulheres encontram poucas oportunidades para trabalhar na área. Nesta região, eu só conheço uma barbeira em Sussuarana. Se houver mais, a gente não conhece".
Maiane pretende expandir o negócio e viver financeiramente dele. Para ela, além do crescimento pessoal, é importante o crescimento coletivo e, por isso, quer ajudar na formação de outras barbeiras.
“Quero dar oportunidade para que mulheres como eu iniciam nesta profissão. Mostrar para elas que é possível viver do nosso sonho. Existem tantas mulheres barbeiras competentes que precisam apenas de um espaço para começar [no ofício]. Quero evitar que muitas passem pelos desafios que encontrei”, conclui.
Para conhecer os trabalhos das barbeiras acesse: @tesourariasalcity e @mai_barb_navalha.
Reportagem de Brenda Gomes e Bruna Rocha
Fotografia de Bruna Rocha
Edição de Rosana Silva e Cleber Arruda
agendando um corte hein hahah
Gratidão 🙏🙏😊